O processo de Globalização evidenciou uma grande desigualdade socioeconômica, que se manifesta de diferentes maneiras. Isso acontece porque desiguais são os acessos ao capital, aos recursos naturais, à tecnologia, à educação de qualidade, à água potável, aos serviços de saúde e ao saneamento básico.
Para atenuar essas diferenças e melhorar a vida das pessoas no século XXI, a ONU (Organização das Nações Unidas) publicou em 2000 oito
maneiras que podemos auxiliar para melhorar o mundo.
Estas metas devem assegurar a redução da pobreza extrema e o desenvolvimento sustentável em países não desenvolvidos até 2015.
O desempenho brasileiro nas metas da Declaração do Milênio da ONU
O país e mais 188 nações
assinaram, em setembro de 2000, a Declaração do Milênio, prometendo cumprir
oito objetivos lançados pela Organização das Nações Unidas (ONU). O contrato
termina no final deste ano, mas já é possível constatar que o país alcançou parte
das metas — como no combate à fome e na redução da mortalidade infantil.
No entanto, ficou a dever em outras cláusulas, pois a educação continua
deficiente. Também foi abaixo da expectativa na diminuição das mortes de mães
durante os partos. Entidades analisam o desempenho brasileiro e, inclusive,
colocam em dúvida parte dos resultados. Houve avanços, é certo, mas não a ponto
de solucionar os problemas.
1)
Combater a fome e a
miséria
A
META: reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome. É considerado
extremamente pobre quem recebe menos de US$ 1 (R$ 2,6) por dia.
CUMPRIU
Brasil: foi
além da meta e reduziu o contingente de famintos de 25,5% (1990) para 3,5%
(2012).
Mundo: a
população miserável diminuiu de 47% para 22%, mas continua alta. Mais de 1,2
bilhão de pessoas seguem na penúria (165 milhões são crianças desnutridas).
A Organização das Nações Unidas (ONU) elogia o empenho do Brasil no combate à
fome. O objetivo do milênio era diminuir a extrema pobreza pela metade, nos
últimos 25 anos, mas o país foi além: alimentou seis a cada sete famintos. Em
2012, restavam 3,5% de miseráveis — número ainda expressivo, mas pequeno diante
do que havia em 1990.
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), do legendário
Herbert de Souza, o Betinho, um dos precursores na luta contra a fome, confirma
que o país ultrapassou as metas — segundo os critérios do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Francisco Menezes, consultor do Ibase,
diz que a redução da pobreza é resultado de um conjunto de ações, de governos e
da sociedade:
—
O Ibase reconhece os avanços com as políticas sociais aplicadas nos últimos
anos.
Entre
as medidas, foram eficazes os programas de aquisição de alimentos da
agricultura familiar e o plano nacional de nutrição nas escolas. O Ibase diz
que o Bolsa Família proporcionou transferência de renda aos pobres, que
aproveitaram para ir ao supermercado.
Feito
o reconhecimento, o Ibase observa que, a partir de agora, será necessário
diminuir a desigualdade entre classes. Menezes lembra que a fase é de
estagnação econômica, não mais será possível que todos continuem beneficiados.
A entidade faz outro alerta.
Na
medida em que os índices de pobreza caem, o processo de redução fica mais
lento. As pessoas que não foram contempladas, em função de sua própria
fraqueza, tendem a continuar em dificuldades.
—
É preciso atenção especial sobre os mais vulneráveis, como os povos indígenas e
outras populações tradicionais — diz Menezes.
2) Atingir o ensino
básico universal
A META: garantir que todas as crianças terminem o
ciclo completo do Ensino Básico.
NÃO CUMPRIU
Brasil: o percentual de jovens entre 15 e 24 anos
com pelo menos seis anos de estudo passou de 59,9% (1990) para 84% (2012). Mas
o contingente dos que não concluem os ensinos Fundamental e Médio continua
preocupante.
Mundo: não conseguiu universalizar a educação
primária devido à lentidão da expansão do ensino.
A situação do ensino brasileiro pode ser comparada a um filme. No conjunto da
obra, constata-se méritos em acesso à escola, maior tempo de aprendizado e
menos repetência. No entanto, se o olhar se detiver sobre a fotografia, a
imagem é precária. Um exemplo: apenas 9% dos alunos que concluem o Ensino Médio
assimilam o que é ideal em matemática.
Quem costuma analisar a educação como se fosse uma
película é o diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna,
Mozart Neves Ramos. Ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFP), ele
elogia a expansão da rede de ensino, mas critica a qualidade das escolas.
— Se o filme melhorou, a fotografia é ruim — define.
O que incomoda Mozart, que presidiu o movimento Todos
Pela Educação (TPE), é o baixo desempenho. De cada 100 alunos que terminam o
Ensino Médio, apenas 27 aprendem o esperado em língua portuguesa.
Mais de 8% abandonam a escola antes de terminar o
curso. O analfabetismo ainda priva 8,5% dos brasileiros — são 4,4% de gaúchos _
do direito básico de ler e escrever. Professores desmotivados e escolas sem
atrativos completam esse quadro.
— A solução é reformar o currículo e melhorar a
formação dos professores. Todos sabem. Mas não fazem nada — lamenta.
O TPE projeta que somente em 2022 os estudantes de
oito anos estarão plenamente aptos em leitura, escrita e matemática. Em 2011,
na última aferição, o nível de aptidão era de 56,1% (leitura), 53,3% (escrita)
e 42,8% (matemática).
3) Igualdade entre
sexos e autonomia da mulher
A META: eliminar a disparidade entre homens e mulheres na educação e no
trabalho.
CUMPRIU PARCIALMENTE.
Brasil: considerando dados demográficos, a disparidade diminuiu. Em 1990,
havia 136 mulheres para cada 100 homens no Ensino Médio. Em 2012, havia 125
para 100.
Mundo: ficou próximo da meta, mas
persistiram as desigualdades.
A vontade da ONU é de que haja igualdade, em números,
na participação de homens e mulheres na educação e no trabalho. O objetivo é um
desafio para países onde os direitos femininos são desprezados. Não é bem o
caso do Brasil. Aqui, é de difícil equação igualar o acesso dos dois sexos à escola
e ao emprego, porque existem 100 mulheres para cada 95,9 homens. Pelo último
censo demográfico, elas excedem o pelotão masculino em 3,9 milhões de pessoas.
Em 1990, no Ensino Médio, havia 136 mulheres para cada
100 homens. Em 2012, a proporção baixou de 125 para 100. O motivo da leve
alteração é que aumentou o ingresso de meninos no Ensino Fundamental, o que
repercutiu no Ensino Médio.
Para além da demografia nacional, há um fator que
colabora para que o Brasil tenha um cenário mais positivo às mulheres. A
coordenadora do Coletivo Feminino Plural, Telia Negrão, diz que o país
conseguiu diminuir — não no patamar ideal — o contingente de adolescentes mães.
Em outros países, meninas de 13 a 14 anos já são donas de casa e estão
impedidas de estudar.
— Há um processo de socialização das mulheres —
observa.
No mercado de trabalho, elas preenchem 59,5% dos
empregos que exige um diploma superior. São maioria entre os profissionais com
os maiores salários.
Há muitos exemplos de mulheres que se destacaram na política, na ciência, nos negócios, como líderes comunitárias, religiosas e ativistas em defesa de várias causas.
- Pesquise 1 exemplo de mulher que se destacou num destes segmentos e apresente para a turma.
4) Reduzir a mortalidade na infância
A META: reduzir em 2/3 a mortalidade de crianças menores de cinco anos.
CUMPRIU
Brasil: alcançou a meta com certa folga e antes do prazo. A taxa de
mortalidade infantil caiu de 62 (1990) para 14 em cada mil nascidos vivos
(2012).
Mundo: não cumpriu a meta. Entre 1990 e 2012, o
índice passou de 90 para 48 mortes por mil nascidos vivos, abaixo do esperado.
Só em 2012, 6,6 milhões de crianças morreram por doenças que seriam evitáveis.
O Brasil conseguiu reduzir o índice de mortalidade
infantil em 66,6%, nos últimos 25 anos. A conquista é chancelada pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e tem o aval de entidades como
a Pastoral da Criança, que atua em mais de 4 mil municípios do país. Mas há
muito por fazer, especialmente nas regiões Norte e Nordeste e nas favelas do
Sul.
Em 1990, a taxa era de 62 bebês mortos a cada mil
nascimentos. Na última medição, em 2012, o índice recuou para 14, em um
decréscimo de 77%. Superou com folga o objetivo proposto pela Organização das
Nações Unidas (ONU).
— Proporcionalmente, o Brasil é um dos países que mais
reduziram a mortalidade infantil no mundo — destaca Clovis Boufleur, gestor de
Relações Institucionais da Pastoral da Criança.
Boufleur lembra que a economia brasileira cresceu, o
abismo entre ricos e pobres foi atenuado (embora continue abissal), aumentou a
escolaridade das mães e os nascimentos ficaram mais espaçados. Acrescenta que a
comunidade se mobilizou e se multiplicaram grupos de voluntários.
A Pastoral da Criança é um dos exemplos _ e
responsável pelos indicadores de hoje. Criada há 31 anos por Zilda Arns e o
bispo católico Geraldo Majella Agnelo, tem mais de 200 mil voluntários, em
todos os Estados, que visitam mensalmente casas onde há crianças. No Rio Grande
do Sul, 231 municípios são beneficiados. Nas áreas cobertas, a taxa de
mortalidade infantil é de 8,3 a cada grupo de mil nascidos.
— Nossa prioridade são os lugares mais pobres — diz o
gestor.
Boufleur alerta que existem focos de pobreza em pelo
menos 200 municípios do Norte e Nordeste e nas favelas metropolitanas do Sul. A
corrupção também preocupa: o desvio de recursos impacta no atendimento às
famílias e nas crianças.
5) Melhorar a saúde
materna
A META: reduzir em 75% a taxa de mortalidade das gestantes.
CUMPRIU PARCIALMENTE
Brasil: de 1990 a 2011, a taxa diminuiu 55% (de 141 para 64 óbitos a cada
100 mil nascidos vivos). Falta avançar.
Mundo: não alcançou. Nos países em
desenvolvimento, a mortalidade materna diminuiu apenas 45%.
O maior desafio brasileiro, entre os oito objetivos do
milênio, talvez seja o de ampliar a proteção às mães durante a gestação e o
parto. É certo que a taxa de mortalidade materna diminuiu 55% nos últimos 25
anos, mas ainda está distante do mínimo aceitável. A cada 100 mil nascimentos,
64 mulheres não sobrevivem.
O Brasil superou outros países da América Latina nos
esforços para reduzir a mortalidade de mães. Melhorou a estrutura de
atendimento — agora 99% dos partos são realizados em hospitais. Cerca de 90%
das gestantes fizeram pelo menos quatro consultas de pré-natal. No entanto, o
gestor de Relações Institucionais da Pastoral da Criança, Clovis Boufleur,
avisa que os serviços de pré-natal, parto e pós-parto ainda são precários em
determinadas regiões.
— É preciso melhorar os cuidados durante os nove meses
de gestação e nos dois primeiros anos de vida do bebê — recomenda Boufleur.
Houve avanços e retrocessos na saúde da gestante. O
próprio Brasil se impôs um objetivo à parte, além dos traçados pela ONU, que é
diminuir a mortalidade por câncer de mama e de colo de útero até o final deste
ano. A meta para os tumores de colo de útero foi alcançada, mas a relacionada
ao câncer de mama não.
Uma distorção que está sendo enfrentada é a do excesso
de cesarianas. No Brasil, 56% dos partos são por cesárea — quase o dobro
da média registrada nos Estados Unidos e o triplo do que ocorre na França. O
Ministério da Saúde alerta que o procedimento, quando não é indicado por um
médico, aumenta em até 120 vezes o risco de problemas respiratórios para o
recém-nascido e triplica o perigo de morte da mãe.
6) Combater a aids,
a malária e outras doenças
A META: deter a propagação do HIV/aids e começar a inverter a tendência
atual de contágio.
CUMPRIU PARCIALMENTE
Brasil: a taxa de detecção de HIV/aids se
estabilizou na última década, ficando em torno de 20 para cada 100
mil habitantes diagnosticados por ano. O coeficiente de mortalidade
também diminuiu.
Mundo: não alcançou a meta de universalizar o
tratamento de pacientes com HIV/aids. Em 2011, nos países em desenvolvimento,
apenas 55% das pessoas infectadas dispunham de atendimento.
As mortes decorrentes da aids diminuíram a partir de
1990, estacionando no índice de 20 para cada cem mil pessoas diagnosticadas com
a doença, o que significa que o Brasil cumpriu parcialmente a meta traçada pela
ONU. Esta é a percepção oficial. Para as entidades que lidam com a epidemia, o
país retrocedeu nos últimos anos.
A coordenadora do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids
no Rio Grande do Sul (Gapa), Carla Almeida, critica a atual postura das
autoridades. Diz que o vírus HIV passou a ser tratado somente do ponto de vista
médico, sendo esquecidas as garantias aos direitos humanos. Ela aponta a
vulnerabilidade das pessoas infectadas.
— Não se consegue enfrentar a discriminação,
principalmente no mercado de trabalho — reclama.
Lançado em 1989, na década de surgimento da aids no
país, o Gapa acompanhou os diferentes estilos dos governos. Carla lembra que o
Brasil, em 2000, virou referência internacional por reduzir as mortes e o
número de contaminados, graças a um programa que combinava diagnóstico, acesso
à medicação e respeito. Agora, as ações governamentais se limitam a testar e
tratar, sem cuidar dos reflexos.
— A epidemia perdeu visibilidade. Mas ela não é um
assunto meramente biomédico, porque causa discriminação e preconceito — diz.
Há discordância sobre o suposto controle da doença. O
Gapa ressalta que os índices estagnaram, mas em "patamares
elevadíssimos". O Estado lidera o ranking nacional há oito ano, com 41,3
novos casos por cem mil habitantes.
7) Garantir a sustentabilidade ambiental
A META: praticar o desenvolvimento sustentável e reverter a perda de
recursos ambientais.
CUMPRIU PARCIALMENTE
Brasil: reduziu as taxas de desmatamento nos biomas. A população urbana em
moradia precária caiu de 53,3% (1992) para 36,6% (2012).
Mundo: melhorou, mas não cumpriu. A população sem
acesso a água potável foi de 24% para 11%, entre 1990 e 2010, abaixo do
necessário.
O país teria reduzido a taxa de desmatamento das
florestas, principalmente na Amazônia? Pelo relatório do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), sim, o Brasil conseguiu chegar à meta. Já
as entidades ambientalistas alertam que a devastação prossegue acelerada, pondo
em risco a biodiversidade, os animais selvagens e os povos indígenas da região.
Desde 1999 com bases na Amazônia, o Greenpeace adverte que "o ritmo de
destruição segue par a par com a grandiosidade" da maior floresta do planeta.
Entre 1550 e 1970, o desmatamento não passava de 1%. Nos últimos 40 anos, foram
arrasados 18% da Amazônia brasileira. É uma área equivalente à soma dos
territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
O Greenpeace duvida da sinceridade de propósitos do governo. Lembra que foi
concedida uma anistia a quem desmatou ilegalmente, após pressão da bancada
ruralista no Congresso Nacional. A medida enfraqueceu a fiscalização,
permitindo a expansão da agropecuária na Amazônia. Florestas foram derrubadas
para a plantação de soja e a criação de gado em pastagens artificiais.
"As taxas anuais de desmatamento na Amazônia brasileira, que haviam caído
nos últimos anos, aumentaram 28% entre agosto de 2012 e julho de 2013" diz
o informe do Greenpeace.
Outros biomas, como o pampa e o cerrado, também estão minguando com o avanço
das lavouras. Para o Greenpeace, o agronegócio está se sobrepondo à agenda
ambiental nos últimos governos.
8) Juntos pelo
desenvolvimento
A META: promover ações voluntárias na comunidade.
CUMPRIU
Brasil: mais pessoas se doaram a trabalhos
voluntários, enquanto a diplomacia brasileira colaborou no cenário
internacional.
Mundo: diminuiu a cooperação dos países ricos com
as nações em desenvolvimento. A queda de recursos foi de 0,3 pontos
percentuais, entre 2010 e 2012. Brasil e Turquia estão entre os mais
cooperativos.
Encontrar pessoas que ajudem o próximo de forma
desinteressada, não deixando só para o Estado as tarefas sociais, permanece na
agenda de urgências do Brasil. Não existem estatísticas, mas o consenso é de
que o número de voluntários aumentou nos últimos 25 anos, e tem potencial para
crescer.
A presidente da ONG Parceiros Voluntários, Maria Elena
Johannpeter, lembra que era como semear no deserto propor ações de maior responsabilidade
social, duas décadas atrás. A situação foi mudando. Empresários perceberam que
participar de projetos comunitários é saudável aos negócios.
— As empresas criaram institutos ou fundações,
passaram a incentivar o voluntariado empresarial — destaca Maria Elena.
Há 10 anos, a Parceiros Voluntários começou a atuar
com alunos de escolas públicas e privadas, desde o infantil até o Ensino Médio,
estimulando atitudes solidárias e de cidadania. Maria Elena diz que os
resultados já são perceptíveis. E aposta que as crianças e os jovens
multiplicarão a rede de voluntários no futuro próximo.
— A projeção é promissora, porque a responsabilidade
social estará bem aflorada — prevê a presidente da entidade.
Por Nilson Mariano
FONTE: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/01/o-desempenho-brasileiro-nas-metas-da-declaracao-do-milenio-da-onu-4678531.html